Para Moody’s e Fitch, são poucas as
incorporadoras que têm condições de financiar clientes; Eztec, Trisul, Helbor e
Cyrela estão entre as empresas que adotaram essa modalidade
Para enfrentar a escassez de crédito habitacional, as incorporadoras começaram
a reforçar uma antiga prática do mercado imobiliário: o financiamento direto a
clientes. Analistas alertam, no entanto, que esse tipo de operação tende a ser
conduzida por um grupo limitado de companhias e em segmentos específicos, por
exigir características cada vez mais raras em um setor que está em
dificuldades: caixa robusto, baixa alavancagem e clientes com capital próprio.
No último fim de semana, a Cyrela voltou a oferecer a "tabela direta"
aos seus clientes, com foco no estoque de imóveis prontos e em unidades que
serão entregues em menos de seis meses. Com isso, a companhia se juntou a
outras empresas listadas na Bolsa, como a Eztec, Trisul e Helbor, que voltaram
a aplicar essa opção de crédito. "Esse é um instrumento que a Cyrela usou
muito no passado quando o crédito ainda era escasso, em 2005 e 2006. Estamos
voltando a utilizá-lo agora, porque sentimos que pode ajudar nas nossas
vendas", disse o diretor de relações com investidores, Paulo Gonçalves, em
entrevista ao Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, na semana
passada.
Na opinião da diretora da agência de classificação de riscos Fitch, Fernanda
Rezende, essas operações trazem riscos de inadimplência e, além disso, há
dúvidas sobre a demanda dessa opção entre os consumidores. "A tabela
direta pode, num primeiro momento, gerar retornos mais elevados em receitas
financeiras, mas adiciona riscos de crédito ao balanço das empresas",
disse. Ela ressalta que, em condições normais de mercado, o financiamento
bancário tradicional é mais adequado para o setor do que o
"autocrédito". "Se vai ter demanda e interesse dos compradores,
isso ainda vai ser testado, pois os juros tendem a ser maiores e o prazo mais
curto que o dos bancos."
Para que a empresa tenha um retorno positivo, ela precisa conceder o
financiamento a uma taxa superior a que ela paga para captar recursos. No caso
de empresas mais endividadas e com problemas de liquidez de curto prazo, esse
custo de captação de capital já é bastante elevado, o que pode tornar os juros
cobrados de clientes pouco acessíveis. Em geral, o financiamento direto é
taxado a cerca de 12% ao ano mais a correção monetária feita pelo Índice Geral
de Preços do Mercado (IGP-M), ou cerca de quatro pontos porcentuais acima da
taxa básica de juros, a Selic.
Em entrevista ao Broadcast, a analista da agência de classificação de riscos
Moody′s, Cristiane Spercel, ressaltou que as empresas precisam ter uma posição
de caixa elevada e um balanço robusto para viabilizar essas operações, pois,
além de reservar capital para a concessão de crédito, esta modalidade de
financiamento tem o potencial risco de gerar aumento das provisões contra a
inadimplência e contingências. Por isso, entre as sete companhias avaliadas
pela Moody′s (Cyrela, Even, Gafisa, PDG, Brookfield, Viver e MDL), a Cyrela é a
que tem as condições mais adequadas para oferecer a tabela direta.
Segundo Cristiane, as empresas precisam levar em conta que o custo de uma
eventual recuperação de imóvel é maior que o do processo de distrato (quando o
cliente devolve a unidade para a construtora). "O processo de execução
para retomada da garantia em um evento de inadimplência tem um custo mais
elevado do que para distratar um contrato de compra e venda durante o período
de construção. As provisões para contingências também tendem a ser mais altas
para compensar esse risco adicional", explicou.
Para a equipe de analistas do JPMorgan, grande parte dos consumidores com o
perfil de crédito necessário para ingressar na "tabela direta" teria
condições para conseguir o financiamento bancário, que é mais barato. Nos
cálculos do banco, as parcelas pagas mensalmente na tabela direta seriam 20%
maiores que no crédito bancário, mesmo levando em consideração uma quota de
financiamento de apenas 60%, frente os 80% do SBPE (Sistema Brasileiro de
Poupança e Empréstimo).
Capacidade. Na avaliação da equipe do banco, entre as empresas de capital aberto,
a Eztec, a Direcional, a MRV e a Cyrela são as que têm mais condições para
oferecer essa opção. As quatro companhias têm dívidas líquidas baixas em
relação ao patrimônio líquido, com índices menores que 35%, além de gerarem
fluxo de caixa livre de maneira consistente.
A Eztec iniciou recentemente uma linha de financiamento direto para imóveis
prontos, com juros de 9,99% e prazo de pagamento de até 150 meses. A correção é
feita com o índice de preços ao consumidor amplo (IPCA) e o crédito cobre até
80% do valor de contrato. A empresa espera usar até R$ 100 milhões em sua
campanha de tabela direta. A Trisul começou a oferecer essa possibilidade aos
clientes em junho, com o objetivo de aumentar o volume de vendas. O programa
prevê o financiamento de até 70%, a ser pago no prazo de 180 meses. A correção
é feita pelo IGP-M mais 12% de juros ao ano.
Fonte: Estadão - 07/07/2015 - por LUCAS HIRATA
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