Segundo um estudo do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entre 2007 e 2012, pelo menos meio milhão
de famílias (537.148) com renda de até três salários mínimos e que moram nos
centros urbanos passaram a comprometer mais de 30% de seu orçamento com
a locação de moradia e, desconsiderando a inflação e o aumento da renda do
brasileiro, de 2002 a 2012, o valor dos aluguéis aumentou 50%. Na minha cidade,
o Rio de Janeiro, a futura realização de dois megaeventos de transcendência
internacional (a Copa e as Olimpíadas) trouxe, entre outros graves problemas,
um aumento absurdo e injustificável dos alugueis, produto da especulação
imobiliária.
Entretanto, esse não é o único problema que enfrentam as pessoas que não têm casa própria e precisam alugar. As dificuldades para conseguir um fiador que cumpra com todos os requisitos exigidos pelas imobiliárias (que vão muito além daqueles exigidos pela lei) e a não aceitação da modalidade de caução em dinheiro por parte de muitas imobiliárias levam muitas pessoas a ter de “optar” pela contratação do seguro de fiança locatícia, modalidade de garantia em que uma instituição financeira assume o papel de fiador, recebendo para isso um prêmio anual em dinheiro que não é recuperado pelo locatário no final do contrato, mesmo que ele jamais tenha se atrasado no pagamento do aluguel ou em quaisquer outras obrigações contratuais. Segundo dados do Sindicato da Habitação de São Paulo, de fevereiro de 2014, 20% dos contratos de aluguel celebrados nessa cidade usaram a modalidade de seguro de fiança locatícia.
A introdução dessa forma de garantia na lei teve por objetivo — ou pelo menos isso foi dito na época — “libertar” os inquilinos da necessidade de pedir a algum amigo ou familiar que seja seu fiador, devido às dificuldades e constrangimentos que isso produz. De fato, foram apresentados já na Câmara dos Deputados vários projetos de lei propondo, diretamente, a eliminação da figura do fiador e a limitação das alternativas a, apenas, caução em dinheiro ou seguro de fiança locatícia. Contudo, o que tem acontecido na prática dista muito dos objetivos que as diversas reformas e proposições supostamente almejavam.
E quem perdeu, para que o mercado ganhasse, foi o cidadão.
De acordo com uma reportagem da Folha de São Paulo de 20 de agosto de 2013, uma única companhia, a Porto Seguro, tem 94% do mercado do seguro de fiança locatícia no país. Esse mercado quase monopólico tem permitido a essa companhia estabelecer as regras do jogo e receber lucros extraordinários. Segundo a citada reportagem, de maio de 2012 a maio de 2013, a empresa teve uma receita de 283 milhões com a venda desse tipo de garantia, somando apenas 73 milhões em desembolsos por inadimplência dos inquilinos, o que representa uma inadimplência de 26%, bem inferior à média de 48% registrada pela mesma companhia nas outras modalidades de seguro — e sendo que a sinistralidade média de outras companhias que não têm participação significativa no mercado de fianças locatícias oscila entre 59 e 67%.
De acordo com a reportagem — e trata-se de um dado facilmente comprovável por qualquer pessoa que tenha alugado um imóvel nos últimos anos —, o monopólio da Porto Seguro é facilitado pelo fato de que a maioria das imobiliárias não permite a escolha de outras companhias (que, em outros tipos de seguros, é livre), obrigando o locatário a contratar seus serviços, inclusive, através do corretor indicado por elas. Este último ponto é absurdamente abusivo, já que muitas vezes o locatário já tem um corretor de seguro de confiança e já negociou o valor e as condições do seguro com ele, mas a imobiliária lhe exige, como condição para assinar o contrato, que ele “demita” o corretor e assine um termo pelo qual transfere a apólice já aprovada a outro corretor, indicado pela imobiliária, para que este receba a comissão.
Esse absurdo é hoje uma prática habitual no mercado imobiliário.
O cidadão que precisa alugar um imóvel e não conta com fiador proprietário (fiança convencional) não tem possibilidade de escolha: em diferentes cidades, a imensa maioria das imobiliárias não aceita caução em dinheiro ou qualquer outra modalidade de garantia e, mesmo se locatário oferecer um fiador proprietário, muitas imobiliárias colocam condições de difícil cumprimento, como por exemplo, que o fiador possua duas propriedades na mesma cidade em que está localizado o imóvel a ser alugado, não admitindo fiadores com propriedades em outras cidades, mesmo que cumpram com todos os requisitos da lei. Outras alternativas, como os títulos de capitalização, têm condições quase impossíveis para quem precisa alugar um imóvel para moradia: exigem o depósito de até 10 dez meses de aluguel, o que torna inviável o negócio.
Feita a “escolha” compulsória da modalidade seguro de fiança locatícia, a imobiliária indica o corretor e este informa o preço do prêmio anual do seguro, que supera em muito qualquer cálculo racional, chegando a equivaler na atualidade a 2,5 ou até 3 (três) aluguéis por ano, valor inclusive superior ao calculado pela Folha em 2013. O lucro da companhia está garantido, porque mesmo no caso de inadimplência, ela pode processar o inquilino para reaver o dinheiro — o que não ocorre em outros tipos de seguro, como o seguro de vida ou os seguros para o carro — e o inquilino, mesmo que se mantenha adimplente, jamais recuperará o que pagou.
A redação atual da lei 8.245/91, que estabelece diversas modalidades alternativas de garantia, não passa de uma declaração de princípios sem efeitos práticos. O que ocorre, na atualidade, é que o mercado de locações imobiliárias vai em direção ao monopólio de uma única modalidade de garantia, controlada por uma única empresa, prejudicando todos aqueles que, não tendo casa própria nem acesso ao crédito para comprar uma, precisam alugar um imóvel. É preciso, portanto, estabelecer novas regras que protejam o cidadão dos abusos do mercado.
Por tudo isso, apresentei na Câmara um projeto de lei (PL 7412/2014) que prevê, entre outras reformas à legislação atual:
1) o direito do locatário a escolher entre as três modalidades de
garantia que são efetivamente utilizadas na prática (fiança, caução em dinheiro
ou seguro de fiança locatícia), evitando-se, portanto, que as imobiliárias
possam impor um determinado tipo de garantia de acordo com seus próprios
interesses;
2) o direito do locatário, no caso de que ele opte pela garantia do seguro-fiança, a escolher a empresa e o corretor de seguros de sua preferência, impedindo-se assim que as imobiliárias possam obrigá-lo a contratar determinados corretores ou empresas de seguros;
3) o estabelecimento de um limite para o valor anual do prêmio do seguro de fiança locatícia, que não poderá exceder o valor equivalente a um mês de aluguel somado a um mês de encargos;
4) no caso da garantia dada por um fiador proprietário, a proibição de
que as imobiliárias exijam condições não contempladas na lei (como ocorre, por
exemplo, quando é exigido que o fiador tenha duas propriedades na mesma cidade
do imóvel alugado, descartando aqueles que tem propriedades em outros
municípios ou estados). O projeto estabelece punições para as imobiliárias que
não cumprirem com as novas regras.
Esta reforma legal, que visa a limitar a voracidade do mercado imobiliário e impedir abusos contra os inquilinos, é necessária, mas não é suficiente. Ela deveria vir acompanhada de uma política pública de moradia que permita às famílias brasileiras o acesso à casa própria. Mais um direito fundamental com o qual os governos estão em dívida.
Jean Wyllys-PSOL/RJ
Fonte: Carta Capital
PROJETO DE LEI Nº , DE 2014.
(Do Sr. Jean Wyllys)
Altera
disposições da Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991.
O Congresso Nacional
decreta:
Art. 1º. O artigo 37 da Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, passa
a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 37. No contrato de locação, o locatário poderá optar
entre as seguintes modalidades de garantia:
I – fiança;
II – caução em dinheiro;
III – seguro de fiança locatícia.
§ 1º É vedada, sob pena de nulidade, a adoção de mais de uma
das modalidades de garantia num mesmo contrato de locação.”
Art. 2º. O artigo 38 da Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, passa
a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 38. A caução em dinheiro e o seguro de fiança locatícia
devem obedecer ao seguinte:
§ 1º A caução em dinheiro, que não poderá exceder o valor
equivalente a três meses de aluguel, deve ser depositada em caderneta de
poupança autorizada pelo Poder Público e por ele regulamentada, revertendo em
benefício do locatário todas as vantagens dela decorrentes por ocasião do levantamento
da soma respectiva.
§ 2º Para os contratos celebrados com garantia sob a
modalidade de seguro de fiança locatícia, caberá ao locatário escolher o
corretor de seguros, devidamente registrado na Superintendência de Seguros
Privados – SUSEP, não podendo o locador ou o agente imobiliário compelir o
locatário a escolher determinado corretor ou companhia de seguros ou interferir
nessa escolha.
§ 3º O prêmio anual do seguro de fiança locatícia não poderá
exceder o valor equivalente a um mês de aluguel, acrescido dos encargos a ele
referentes.”
Art. 3º. O caput do artigo 40 da Lei nº 8.245, de 18 de outubro de
1991, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 40. O locador poderá exigir novo fiador ou a
substituição da modalidade de garantia, respeitadas as disposições dos artigos
37 e 38, nos seguintes casos:”
Art. 4º. O artigo 43 da Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, passa
a vigorar com a seguinte redação:
“Artigo 43. Constitui contravenção penal, punível com prisão
simples de cinco dias a seis meses ou multa de três a doze meses do valor do
último aluguel atualizado, revertida em favor do locatário:
I - exigir, por motivo de locação ou sublocação, quantia ou
valor além do aluguel e encargos permitidos;
II - exigir, por motivo de locação ou sublocação, mais de uma
modalidade de garantia num mesmo contrato de locação, ou condicionar a
aceitação de alguma das modalidades previstas a requisitos distintos dos
estabelecidos na presente lei;
III - cobrar antecipadamente o aluguel, salvo a hipótese do
art. 42 e da locação para temporada.
IV - exigir, por motivo de locação ou sublocação sob a
modalidade de seguro de fiança locatícia, a escolha de uma determinada
companhia asseguradora ou de um determinado corretor de seguros.”
Art. 5º. Revogam-se os incisos VI, VIII,
IX do art. 40 da Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991 e demais
disposições em contrário.
Art. 6º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICATIVA
Segundo um estudo do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada — IPEA, entre 2007 e 2012, pelo menos
meio milhão de famílias (537.148) com renda de até três salários mínimos e que
moram nos centros urbanos passaram a comprometer mais de 30% de seu orçamento
com a locação de moradia e, desconsiderando a inflação e o aumento da renda do
brasileiro, de 2002 a 2012, o valor dos aluguéis aumentou 50%.
Mas o aumento dos aluguéis
não é a única dificuldade que enfrentam as pessoas que não têm casa própria e
precisam alugar. As dificuldades para conseguir um fiador que cumpra com todos
os requisitos exigidos pelas imobiliárias (que vão muito além daqueles exigidos
pela lei) e a não aceitação da modalidade de caução em dinheiro por parte de
muitas imobiliárias levam muitas pessoas a ter que “optar” pela contratação do
seguro de fiança locatícia, modalidade de garantia em que uma instituição
financeira assume o papel de fiador, recebendo para isso um prêmio anual em
dinheiro que não é recuperado pelo locatário no final do contrato, mesmo que
ele jamais tenha se atrasado no pagamento do aluguel ou em quaisquer outras
obrigações contratuais. Segundo dados do Sindicato da Habitação de São Paulo,
de fevereiro de 2014, 20% dos contratos de aluguel celebrados nessa cidade
usaram a modalidade de seguro de fiança locatícia.
A introdução dessa
forma de garantia na lei teve por objetivo “libertar” os inquilinos da
necessidade de pedir a algum amigo ou familiar que seja seu fiador, devido às
dificuldades e constrangimentos que isso produz. De fato, existiram já nessa
casa vários projetos de lei propondo, diretamente, a eliminação da figura do
fiador e a limitação das alternativas a, apenas, caução em dinheiro ou seguro
de fiança locatícia. Contudo, o que tem acontecido na prática dista muito dos
objetivos que as diversas reformas e proposições supostamente almejavam.
De acordo com uma
reportagem da Folha de São Paulo de 20 de agosto de 2013, uma única companhia,
a Porto Seguro, tem 94% do mercado do seguro de fiança locatícia no país. Esse
mercado hegemônico tem permitido a essa companhia estabelecer as regras do
mercado e receber lucros extraordinários. Segundo a citada reportagem, de maio
de 2012 a maio de 2013, a empresa teve uma receita de 283 milhões com a venda desse
tipo de garantia, somando apenas 73 milhões em desembolsos por inadimplência
dos inquilinos, o que representa uma inadimplência de 26%, bem inferior à média
de 48% de inadimplência registrada pela mesma companhia nas outras modalidades
de seguro — e sendo que a sinistralidade média de outras companhias que não têm
participação significativa no mercado de fianças locatícias oscila entre 59 e
67%.
De acordo com a
reportagem — e trata-se de um dado facilmente comprovável por qualquer pessoa
que tenha alugado um imóvel nos últimos anos —, o monopólio da Porto Seguro é
facilitado pelo fato de que a maioria das imobiliárias não permite a escolha de
outras companhias (que, em outros tipos de seguros, é livre), obrigando o
locatário a contratar seus serviços, inclusive, através do corretor indicado
por elas. Este último ponto é absurdamente abusivo, já que muitas vezes o
locatário já tem um corretor de seguro de confiança e já negociou o valor e as
condições do seguro com ele, mas a imobiliária lhe exige, como condição para
assinar o contrato, que ele “demita” o corretor e assine um termo pelo qual
transfere a apólice já aprovada a outro corretor, indicado pela imobiliária,
para que este receba a comissão. Esse absurdo é hoje uma prática habitual no
mercado imobiliário.
O cidadão que precisa
alugar um imóvel e não conta com fiador proprietário (fiança convencional) não
tem possibilidade de escolha: em diferentes cidades, a imensa maioria das
imobiliárias não aceita caução em dinheiro ou qualquer outra modalidade de
garantia e, mesmo se locatário oferecer um fiador proprietário, muitas
imobiliárias colocam condições de difícil cumprimento, como por exemplo, que o
fiador possua duas propriedades na mesma cidade em que está localizado o imóvel
a ser alugado, não admitindo fiadores com propriedades em outras cidades, mesmo
que cumpram com todos os requisitos da lei. Outras alternativas, como os
títulos de capitalização, têm condições quase impossíveis para quem precisa
alugar um imóvel para moradia: exigem o depósito de até 10 dez meses de
aluguel, o que torna inviável o negócio. Feita a “escolha” compulsória da
modalidade seguro de fiança locatícia, a imobiliária indica o corretor e este
informa o preço do prêmio anual do seguro, que supera em muito qualquer cálculo
racional, chegando a equivaler na atualidade a 2,5 ou até 3 (três) aluguéis por
ano, valor inclusive superior ao calculado pela Folha de São Paulo em 2013. O
lucro da companhia está garantido, porque mesmo no caso de inadimplência, ela
pode processar o inquilino para reaver o dinheiro — o que não ocorre em outros
tipos de seguro, como o seguro de vida ou os seguros para o carro — e o
inquilino, mesmo que se mantenha adimplente, jamais recuperará o dinheiro
investido.
A redação atual da
lei 8.245/91, que estabelece diversas modalidades alternativas de garantia, não
passa de uma intentio legis sem
efeitos práticos e efetivos. O que ocorre, na prática, é que o mercado de
locações imobiliárias vai em direção ao monopólio de uma única modalidade,
controlada por uma única empresa, prejudicando todos aqueles que, não tendo
casa própria nem acesso ao crédito para comprar uma, precisam alugar um imóvel.
É preciso, portanto,
estabelecer novas regras que protejam o cidadão dos abusos do mercado.
O presente projeto
prevê que o locatário possa escolher entre as três modalidades de garantia que
são efetivamente utilizadas na prática, quais sejam, fiança, caução em dinheiro
ou seguro de fiança locatícia. Busca-se evitar, portanto, que as imobiliárias
detenham o poder de escolher o tipo de garantia de acordo com seus próprios
interesses. Essa prática, na maioria das vezes, ultrapassa a autonomia de
vontade das partes contratantes.
A presente alteração
ainda retira da Lei 8245/1991 a modalidade denominada de cessão fiduciária de
quotas de fundo de investimento, por tratar-se de modalidade que efetivamente
não é utilizada devido ao valor das cotas do fundo estar sujeito à oscilação
decorrente da variação do valor de mercado dos ativos que compõem o patrimônio
do fundo, revelando-se, assim, uma aplicação financeira de risco.
No caso do seguro de
fiança locatícia, o projeto estabelece duas regras que têm por objetivo
eliminar as distorções impostas ao mercado pelo monopólio de uma única empresa:
1) que o valor anual do prêmio não exceda o valor equivalente a um mês de
aluguel somado a um mês de encargos, 2) que o locatário possa escolher a
empresa e o corretor de seguros de sua preferência, garantindo-se, assim, a
livre concorrência de mercado.
Sala das
Sessões, de abril de 2014.
JEAN WYLLYS
Deputado Federal
Deputado Federal
PSOL/RJ
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